quarta-feira, 1 de junho de 2016

Em que lareiras na floresta



[...]
aqui ao lado deste jardim (vê-se do jardim) há uma cegonha. Vive numa chaminé, claro. A cegonha não lhes interessa, a estes homens, porque não está presa, acho que é por isso que a cegonha não lhes interessa, mas não sei se me deva contentar com essa explicação. 
Sei que nas lojas às vezes têm animais em gaiolas. Às vezes no meio da rua. É para abater a pedido, a carne palpitante. É um cheiro, não de fezes, mas de medo: toda a esquina, quase toda a rua, cheira a medo. 
No entanto os animais continuam a comer. Comem até morrer. Não sei se diga que são originais, quanto a estes visitantes, a estes homens, não sei se comem também até morrer, nem sei se já defecaram hoje, todos. Chegam aqui e ficam à espera: olham para mim e uns para os outros e estão à espera: de qualquer coisa vinda de fora deles, de fora para dentro, um consolo, uma emoção, uma surpresa, um divertimento, qualquer coisa que lhes anime a vida, que por momentos os faça não estarem arrependidos de ter nascido. 
Hoje melhor seria, claro, terem ficado diante da televisão, terem ficado a ler qualquer graciosa história de amor com happy-end, por exemplo aquela novela intitulada em português "um homem no jardim zoológico". Não sabem por que é que eu estou aqui: mas sabem que não é para os divertir. E se as jaulas estivessem todas cheias com outros como eu, como eles? sim, se as jaulas estivessem todas cheias com outros como eles, como eu?

[...]


Alberto Pimenta
em Que Lareiras na Floresta


Crédito da imagem: Uol Notícias, (Visitantes deixaram homenagens ao gorila morto em zoológico norte-americano), aqui


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